Texto do Mons. Vicente Martins da Costa publicado no jornal "Nossa Senhora do Livramento" de 1909
PARAZINHO
Cerca de vinte e cinco quilômetros distante da cidade de Granja, paira a poética povoação do Parazinho, com as suas moradias brancas que se apinham em forma de quadro em volta da pequena ermida em cujo altar descortina-se a bela imagem de N. S. do Livramento a quem se atribuem prodígios miraculosos.
Parazinho é deste cantinho do norte a povoação incontestavelmente mais simpática, mais atraente, mais conhecida e mais alegre pela sua posição pitoresca, pelo seu clima salubérrimo, pelo seu aspecto risonho. Por suas casinhas bem alvas, por sua igreja pequenina de torrezinha branca perdendo-se no espaço, pelo seu regato de aguas cristalinas e murmurosas, pelos seus habitantes ordeiros e amáveis, e principalmente, notavelmente por sua festa tradicional a gloriosa Virgem do Livramento, que por dez dias toca ao delírio, fazendo divertir à perder a cabeça até o mais rígido velho de tempera antiga.
Jogos, diversões, reuniões, saraus, brinquedos de toda sorte, prendas, anéis, passatempos, divertimentos simples, íntimos e ingênuos, tudo que um espírito irrequieto, diversivo, sôfrego de entretenimento pode criar e inventar, tudo aí aparece para endoidecer a mocidade e lembrar aos velhos nessa idade de ostracismo e marasmo as doces recordações do passado.
Dez dias de festa! São dez dias de desatinos juvenis e alegrias delirantes.
Aí não há desigualdade de família nem proeminência de classe, nem rixas nem desafetos, nem lutas nem intrigas; por toda parte, em todo instante, quer às horas de um sol intente, quer aos começos tristíssimos da noite, senhoritas, crianças e cavalheiros, passam rindo, folgando gargalhadamente, aos grupos, num vai e vem constante, enchendo os espaços de vozes e risos, com grande encanto, em indizível harmonia, a derramar aqui as alegrias e emoções dulcíssimas de uma pas (mutilado) de flores.
No templo, aí nesse recinto que a piedade consagrou àquela que chamamos Maria, aí é que esse delírio que a todos inebria, toca o entusiasmo, chega ao religioso e torna-se divino. Aí é que respira-se a religião e sente-se a fé em suas belezas e transportes, em suas grandezas e sublimidades. Aí é que a alma repleta de amor e plena de veneração ajoelha-se ante a imagem dessa Virgem amabilíssima, e no extase da contemplação, na embriaguez dos mistérios altíssimos sente-se feliz, felicíssima e entoa cânticos piedosos, melodiosos, a excelsa Rainha, dispensadora dos tesouros eternos e celestiais.
Aí, finalmente, é que todos, grandes e pequeninos, jovens e anciões, de desigualdade de sortes e diversidade de condições vindos de diferentes lugares, unidos pelos mesmos elos de convicção e de crença, a despeito da impiedade que reina materializando tudo, negando tudo e pervertendo tudo, dão o mais vivo testemunho da fraternidade cristã que ensina o Evangelho do Calvário e clamam pelos seus votos, pelas suas ofertas e pelos seus sacrifícios, que Maria é a mulher por excelência, a virgem privilegiada, a senhora amabilíssima, santíssima, poderosíssima.
Para o último dia cerca de quatro mil almas se aglomeram no largo que compreende o belo povoado, que se transforma então em uma cidade em festa, em um pequeno mundo onde triunfam a religião e a crença.
De tudo que fica dessa festinha incomparavelmente simpática, resta lamentar somente, não haver aí uma escola para difundir a luz da civilização.
Mas não vem longe o dia em que o Parazinho contará com esse melhoramento para marchar a vanguarda dos povos cultos, civilizados.
O benemérito Dr. Nogueira Accioly que não regateia sacrifícios em prol da instrução, não retardará sancionar esse decreto tão benfeitor quanto desejado.
Padre V. Martins
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