Tuesday, September 24, 2024

Parazinho-Ceará em 1909

 Texto do Mons. Vicente Martins da Costa publicado no jornal "Nossa Senhora do Livramento" de 1909

Igreja Primitiva (Educandário)
Em 1908

Mons. Vicente Martins



PARAZINHO

Cerca de vinte e cinco quilômetros distante da cidade de Granja, paira a poética povoação do Parazinho, com as suas moradias brancas que se apinham em forma de quadro em volta da pequena ermida em cujo altar descortina-se a bela imagem de N. S. do Livramento a quem se atribuem prodígios miraculosos.

Parazinho é deste cantinho do norte a povoação incontestavelmente mais simpática, mais atraente, mais conhecida e mais alegre pela sua posição pitoresca, pelo seu clima salubérrimo, pelo seu aspecto risonho. Por suas casinhas bem alvas, por sua igreja pequenina de torrezinha branca perdendo-se no espaço, pelo seu regato de aguas cristalinas e murmurosas, pelos seus habitantes ordeiros e amáveis, e principalmente, notavelmente por sua festa tradicional a gloriosa Virgem do Livramento, que por dez dias toca ao delírio, fazendo divertir à perder a cabeça até o mais rígido velho de tempera antiga.

Jogos, diversões, reuniões, saraus, brinquedos de toda sorte, prendas, anéis, passatempos, divertimentos simples, íntimos e ingênuos, tudo que um espírito irrequieto, diversivo, sôfrego de entretenimento pode criar e inventar, tudo aí aparece para endoidecer a mocidade e lembrar aos velhos nessa idade de ostracismo e marasmo as doces recordações do passado.

Dez dias de festa! São dez dias de desatinos juvenis e alegrias delirantes.

Aí não há desigualdade de família nem proeminência de classe, nem rixas nem desafetos, nem lutas nem intrigas; por toda parte, em todo instante, quer às horas de um sol intente, quer aos começos tristíssimos da noite, senhoritas, crianças e cavalheiros, passam rindo, folgando gargalhadamente, aos grupos, num vai e vem constante, enchendo os espaços de vozes e risos, com grande encanto, em indizível harmonia, a derramar aqui as alegrias e emoções dulcíssimas de uma pas (mutilado) de flores.

No templo, aí nesse recinto que a piedade consagrou àquela que chamamos Maria, aí é que esse delírio que a todos inebria, toca o entusiasmo, chega ao religioso e torna-se divino. Aí é que respira-se a religião e sente-se a fé em suas belezas e transportes, em suas grandezas e sublimidades. Aí é que a alma repleta de amor e plena de veneração ajoelha-se ante a imagem dessa Virgem amabilíssima, e no extase da contemplação, na embriaguez dos mistérios altíssimos sente-se feliz, felicíssima e entoa cânticos piedosos, melodiosos, a excelsa Rainha, dispensadora dos tesouros eternos e celestiais.

Aí, finalmente, é que todos, grandes e pequeninos, jovens e anciões, de desigualdade de sortes e diversidade de condições vindos de diferentes lugares, unidos pelos mesmos elos de convicção e de crença, a despeito da impiedade que reina materializando tudo, negando tudo e pervertendo tudo, dão o mais vivo testemunho da fraternidade cristã que ensina o Evangelho do Calvário e clamam pelos seus votos, pelas suas ofertas e pelos seus sacrifícios, que Maria é a mulher por excelência, a virgem privilegiada, a senhora amabilíssima, santíssima, poderosíssima.

Para o último dia cerca de quatro mil almas se aglomeram no largo que compreende o belo povoado, que se transforma então em uma cidade em festa, em um pequeno mundo onde triunfam a religião e a crença.

De tudo que fica dessa festinha incomparavelmente simpática, resta lamentar somente, não haver aí uma escola para difundir a luz da civilização.

Mas não vem longe o dia em que o Parazinho contará com esse melhoramento para marchar a vanguarda dos povos cultos, civilizados.

O benemérito Dr. Nogueira Accioly que não regateia sacrifícios em prol da instrução, não retardará sancionar esse decreto tão benfeitor quanto desejado.

Padre V. Martins


No comments:

Post a Comment

JORNAL N.S. DO LIVRAMENTO

Apresentação do Jornal "N.S. DO LIVRAMENTO"      É com profundo respeito à memória histórica e com sincera devoção que temos a hon...